segunda-feira, 29 de novembro de 2010

NO RASTRO DOS PERFUMES


Atualmente, muitas pessoas não conseguem sentir o aroma de pinho ou de limão sem lembrar de produtos de limpeza, ou não reconhecem sequer o aroma de rosas se não estiver visualizando uma.
A supersaturação dos odores químicos sobrepujou a nossa habilidade olfativa e perdemos a magia de sentir e reverenciar os cheiros mais sutis!

Nas palavras de Paolo Rovesti “Nós estamos imersos na artificialidade da vida moderna, não conseguimos lembrar-nos, sem nostalgia ou tristeza, daqueles presentes que a Natureza coloca à disposição do homem, hoje negligenciados ou em desuso. Dentre eles estão os paraísos perdidos dos perfumes naturais, dos perfumes do passado e do espírito”.
Os aromas são capazes de mudar nosso estado emocional. No entanto, para surtir bons efeitos é necessário que lavandas, rosas, tangerinas e bétulas sejam reais e não sintéticas. Os sintéticos das plantas, criados em laboratórios, apresentam um cheiro maravilhoso, mas não o efeito de plantas de verdade, já que existem coisas na Natureza que só existirão nela - jamais conseguiremos criar. Este é o caso da energia vibracional das plantas, ou seja, a energia vital vegetal que só existirá nelas, assim como a nossa energia vital, a dos minerais, da água e da Terra. Elas não podem ser criadas em laboratório! Por isso, cheiro de flor de verdade não é apenas doce. Tem um toque de amargo, misterioso e convidativo capaz de elevar-nos às mais sublimes das imaginações e das emoções. Os perfumes sintéticos são feitos de fragrâncias lineares desenvolvidas para causar um impacto forte e instantâneo, atingindo os sentidos de uma só vez sem que se possa observar e sentir as suas nuanças. Albert Einstein dizia que o olfato é o sentido da imaginação, pois aguça a memória permanecendo invisível. Para os historiadores, os perfumes em sua época de ouro, quando se faziam artesanais, não eram apenas produtos e sim um modo de ser que revelava a personalidade e fazia representações importantes na sociedade.
Para Mandy Aftel, “o declínio da perfumaria natural não foi somente uma perda material, mas também uma perda em termos espirituais”. Os perfumes artesanais, criados como unguentos ou macerados em óleos essenciais e vegetais se transformam na pele, entrando em diálogo com ela. Os preparados artesanais possibilitam que façamos contato com nós mesmos numa metafísica recíproca entre os cheiros das plantas e a nossa alma. Segundo Eugene Rimmel em “Book of perfumes” (1865) é possível ver a história das essências através das civilizações. Hoje, podemos não entender a importância das especiarias aromáticas, mas no passado tanto os seus valores materiais como também os de uso eram tão conhecidos que eles foram responsáveis pelo desenvolvimento das Rotas das Especiarias, por suas transformações, interações entre os povos e trocas culturais.
Foi com a descoberta do fogo no Paleolítico e a queima dos vegetais no Neolítico que as plantas ganharam papel de veículo místico e símbolo litúrgico tornando-se chaves de contato com o Celeste e o Divino. Muitas são as representações da importância do Reino Vegetal na história da humanidade: o Shen Nung na China, o Atharva Veda na Índia e o Papiro de Erbes no Egito. Todos esses falam de manipulação, conservação ou descrição de ervas. A perfumaria, de forma artesanal e rudimentar, usada para higiene, ligação espiritual e estética, tem a sua origem na derivação do Latim “per” – através/ “fumum” – fumaça, “através da fumaça”. Ela se refinou com as descobertas de destilação no mundo árabe e teve um grande aperfeiçoamento até ser solapada pelo golpe da Inquisição no século XIII. Com 3 milhões de pessoas queimadas acusadas de bruxaria, em sua maioria mulheres, os conhecimentos herbários foram silenciados, sua cultura oral passada de mãe para filha foi enfraquecida e as receitas de unguentos e tinturas feitas com ervas deixaram de ser registradas.
Com o fim da Inquisição, a herbaria volta à cena na era Renascentista perdurando até que o Iluminismo, com o seu pensamento de modernidade e progresso, passa a colocar o olfato como o mais baixo dos sentidos por nos aproximar dos hábitos dos animais e com a Natureza. O homem iluminista não era a Natureza, como dizia o alquimista Paracelso, mas achava-se maior que ela, num obsessivo pensamento de dominação sobre a mesma. Desta forma, o olfato passa a ser marginalizado como o menos importante dos sentidos e indigno de ser cultivado. Somou-se a esse processo o refinamento do processo de destilação e o surgimento dos boticários.
Com isso a perfumaria artesanal, junto aos alquimistas e erveiros, entrou em decadência e foi jogada ao mundo das superstições e colocada no quadro de atraso ao progresso. Cheirar e cozinhar plantas, unguentar e fazer analogias com metais e fases da Lua eram sinônimos de uma Idade das Trevas. No século XIX o termo cientista é cunhado junto à euforia tecnológica da Revolução Industrial e, é neste quadro também, que os sintéticos são criados em número cada vez maior e ganham aceitação pela rapidez, menor preço e estabilidade na manipulação química ao substituírem os naturais.
Desde então os sintéticos dominaram o mercado dos aromas sendo a magia dos óleos essenciais resgatada em 1920 com René-Maurice Gattefossé e apenas no que tange à aromaterapia.
Só agora, no início do século XXI, é que a utilização da herbaria e a manipulação de unguentos, macerados e tinturas voltam na forma de “Perfumes Botânicos” e com muito mais força, já que hoje se tem uma gama de estudos muito maior do que no passado sobre as qualificações das plantas e a ligação delas com as Terapias Holísticas. Isso ocorre devido ao processo de revalorização e de reconexão da sociedade com a Natureza. Finalmente estamos saindo da era da marginalização do sentido olfativo!
Como bem escreveu Marsilio Ficino em 1489, no seu “Livro da Vida”: “Se você retirou sabores de coisas que já não vivem, odores de aromatizantes secos, coisas sem qualquer traço de vida, e pensou que isso era muito útil à vida, por que hesitar em extrair odores de plantas com raízes ainda crescendo nelas, ainda vivas, coisas que maravilhosamente acumularam poderes para a própria vida?”

Palmira Margarida

Biografia:
Historiadora e Perfumista botânica. http://casalquimicabrasil.blogspot.com/

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